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‘Nossa luta é pra organizar; a deles pra acabar’ diz comerciante do setor de fogos de artifício sobre proibição de venda no mês de junho em Sergipe


Publicado 21 de junho de 2021 às 06:29     Por Dhenef Andrade     Foto Arquivo / Governo de Sergipe

Traque de salão, espadas e barcos de fogo, este Patrimônio Imaterial de Sergipe desde 2013, além de demais fogos de artifício estão mais um ano sem aval para dar brilho às noites juninas no estado, considerado o ‘País do Forró’. Acender a fogueira na frente de casa para assar o milho em meio às festas tradicionais do período também são tradições suspensas temporariamente em diversos municípios sergipanos. Mais uma vez, por conta da pandemia do novo coronavírus (covid-19), cidades do Nordeste estão com venda e utilização desses itens, incorporados à essência do mês de junho, proibidas. Em Sergipe, a determinação cabe a cada prefeitura a partir da recomendação do governador Belivaldo Chagas (PSD), no último dia 2.

Edvaldo Nogueira (PDT) anunciou no dia seguinte que Aracaju iria acatar o decreto estadual estabelecendo até o dia 30 a medida. Padre Inaldo (PP), prefeito de Nossa Senhora do Socorro, na Grande Aracaju, fez o mesmo. Os vetos também alcançam a realização de eventos no período junino, incluindo confraternizações, blocos, apresentações musicais, shows e similares, com ou sem comercialização de ingressos, em ambientes públicos ou privados e independentemente do número de pessoas. Comerciantes do setor amargam dois anos de prejuízo e veem o negócio sendo minado a cada dia. Em entrevista ao Ajunews, Elson Santana Santos, de 54 anos, natural da cidade de Propriá, no Baixo São Francisco, é comerciante de fogos de artifício em Socorro e entende que há um movimento das autoridades para acabar com o segmento. “A gente está proibido de vender nesse período por conta da pandemia, apesar deles lutarem constantemente para acabar com o comércio de fogos. Eles não têm interesse nenhum em manter isso”, inicia Elson em conversa com a reportagem.

A trajetória do comerciante começa há aproximadamente 15 anos, por intermédio de um ex-cunhado. Os primeiros passos no ramo são dados no bairro Coroa do Meio, Zona Sul de Aracaju. A localização do espaço não agradou o comerciante que optou pelo Conjunto Marcos Freire, em Socorro, como nova sede do trabalho.  Para poder vender os itens de forma legal é necessário formalização junto a vários órgãos, como prefeitura e Corpo de Bombeiros. O comércio é autorizado por meio de concessão cedida por determinado período de tempo. Sobre a burocracia, Elson diz que comerciantes “são tratados como ‘zé-ninguéns’ e não tem nada de graça”. Em média, segundo ele, para legalizar o negócio se gasta R$ 2.500. “Então não é pouco né, pode ser pouco para eles e você é tratado assim. Todo mundo reclama disso”, completa Elson.

As restrições à venda de fogos durante junho impactam diretamente no bolso de quem depende disso. A imprevisibilidade de quanto se pode lucrar varia de acordo com o período, mas junho tradicionalmente é um período de alta nas vendas. Embora tenha uma marcenaria como fonte de renda alternativa, Elson estima um prejuízo de R$ 20 mil durante a proibição. “O setor perdeu muito nesses dois anos. Conheço alguns comerciantes que vivem só disso, principalmente no interior, que é onde tem mais os pequenos negócios”.

A decisão de proibir a comercialização tanto de fogos como de fogueiras acontece de forma unilateral. Embora o poder público usufrua do estado de calamidade diante da pandemia, o debate com a categoria sobre o rumo do setor foi inexistente e é alvo de críticas dos comerciantes. “Eles não têm diálogo nenhum com a gente. Os órgãos competentes nos tratam como se fossemos marginais”, relata o comerciante de Socorro. Para Elson, o ‘não’ da prefeitura para os que trabalham de forma legalizada no setor de fogos abre brecha para o comércio irregular na cidade. “Proíbe quem é legal e não combate que atua de forma ilegal. Em todo lugar você vê gente vendendo, mas nós que estamos regularizados se botar uma banquinha não pode”, reclama.

O comerciante afirma que a categoria luta para organizar e regularizar o comércio em Socorro. “A nossa briga maior é para organizar e a deles para acabar. Ninguém quer resolver os problemas. A gente tem associação registrada, presidente, tem sede própria, endereço, paga água, luz, para poder fazer reunião. A nossa luta, e a da presidente, é de adquirir um espaço fixo pra gente poder fazer uma praça fixa de fogos. Porque todo ano tem que se fazer um projeto, pedir autorização, montar e desmontar barraca”, relata Elson ao afirmar que ‘acha difícil de ocorrer’, mas que luta para conseguir mais apoio do município para o setor.   

Em um dos meses mais movimentados do setor, a assistência aos afetados pela medida deveria acontecer de forma paralela à proibição. No entanto, segundo Elson, esse apoio não acontece. “Então não houve nenhum, que eu saiba, apoio do governo, nem cesta básica, nada”. Procurada pela reportagem, a assessoria de comunicação de Nossa Senhora do Socorro não respondeu nosso contato.  

Confira a entrevista:

Ajunews: Quais mudanças o senhor enxerga com a determinação de proibição de venda de fogos em relação ao ano passado? Vocês foram pegos de surpresa com a medida ou já se especulava isso internamente entre os comerciantes? .
Elson: A gente está temporariamente proibido devido à pandemia, mas proibido totalmente não. Apesar de eles lutarem constantemente para isso e para acabar totalmente ainda não conseguiram. A nossa tradição aqui de fogos de fogueira é muito forte para eles acabarem totalmente. Acho meio difícil, mas eles lutam para acabar. Eles não têm interesse nenhum em manter isso. Acabando isso aí vai acabar também muita tradição aqui no nosso Estado.

Ajunews: O senhor tem uma estimativa do prejuízo uma vez que o período junino é um dos momentos do ano mais aguardados pelo setor?
Elson: O prejuízo estimado é muito grande e pra falar a verdade eles [demais comerciantes] não têm a proporção certa do prejuízo que não só a gente comerciante, mas todo o setor teve nesses dois porque roda muito dinheiro.

Ajunews: Quais os impactos na sua renda e no seu comércio já que não haverá nenhum tipo de comercialização?
Elson: O impacto da renda foi muito forte, só que a maioria do pessoal que trabalha com fogos tem um comércio paralelo. Eu trabalho com fogos e com marcenaria. Quando para um eu tô no outro. Mas conheço alguns comerciantes do setor que vivem só disso. Como aqueles pequenos fabricantes de fogo, que é um pessoal muito humilde, muito pobre que ficam no interior do estado fabricando. E digo a você que estão sofrendo pra caramba. Aqui a gente na capital e região sempre tem um comércio paralelo. Esse comércio de fogos é um plano B, mas pelos interiores o pessoal que vive disso…Já eram pobres e estão muito, muito mais pobres.

Ajunews: Houve alguma tratativa do governo junto aos comerciantes do setor para tentar ver alternativas para diminuir o prejuízo? Em outras cidades foram distribuídas cestas básicas e até mesmo uma ajuda de custo.
Elson: Não. Pelo menos aqui em Sergipe a briga é para acabar, entendeu?. Então não houve nenhum, que eu saiba, apoio do governo, nem cesta básica, nada. O que eles querem acabar porque eles acham que isso [o setor] só causa prejuízo para o estado porque tem o comércio incontrolado de fogos, que não consegue controlar. Mesmo eles exigindo que a gente hoje tenha CNPJ, estoque declarado, onde guarda, onde comprar, tudo com nota fiscal, eles não conseguem controlar. E aí eles lutam dia a dia só para acabar. É tanto que quem vai na prefeitura, ou outros órgãos, que tudo isso a gente paga, é uma humilhação tremenda. Eles são tratados como um ‘Zé ninguém’ como se a gente tivesse pedindo favores, mas pelo contrário, a gente paga caro. Pra armar uma barraca, em média, a gente paga quase R$ 2.500. Não é pouco não. Pode ser pouco para eles e ainda é tratado assim. Todo mundo reclama disso porque é como se eles quisessem mesmo exterminar, acabar. ‘Ah porque causa acidente, tem muita queimadura, tem acidente com fogueira, acidente com fogos, explosivos’. Tudo bem, mas porque eles não trabalham para melhorar, evitar o acidente? Se fosse um grande acidente. Porque se o acidente fosse o problema será que não existe acidente com carro, com moto. com o avião? Será que não existe acidente em vários setores de trabalho. Claro que sim! Mas ninguém quer acabar [com o setor] né? Eles querem melhorar. Não sei porque essa marcação com a gente. A gente é perseguido por eles. E digo mais: a gente só trabalha porque a tradição é forte aqui. Mas eles acham que se acabar resolve o problema. Se fosse assim ia acabar tudo. Moto, avião, carro, tudo.

Ajunews: Quais estratégias o senhor vai utilizar para tentar tapar o buraco das vendas que seriam feitas no mês junino?
Elson: A gente tem o comércio paralelo ao de fogos. Esse ramo não é o carro chefe, a marcenaria que é. As vendas de fogos é o plano B, um apoio, um dinheirinho extra. A gente não faz planos com o dinheiro dos fogos porque é algo incerto. A gente que trabalha com fogos a gente fica propício a muito prejuízo. Então a gente não se baseia muito nesse lucro. A gente se baseia como se fosse um dinheiro extra, mas se der prejuízo…fazer o quê? Porque você imagina o que a gente trabalha com material explosivo, somos perseguidos pelos órgãos, muitos já tiveram a mercadoria apreendida, tudo a gente trabalha com problema e temperatura. Se você pegar a mercadoria e ela for apreendida, já perdeu. Então a gente não trabalha na estimativa de que tudo é lucro. Se der lucro, deu. Se der prejuízo tem que correr atrás pra pagar”.

Ajunews: O senhor acha que faltou diálogo com a categoria?
Elson: Eles não tem diálogo nenhum com a gente. A gente marca reunião, eles não estão nem aí para nada. Os órgãos competentes, torno a repetir, nos tratam como se fôssemos marginais, como se fôssemos traficantes de drogas. Então não tem diálogo aqui em Sergipe.

Ajunews: Com as restrições na venda, o senhor acha que há uma perda de identidade cultural, seja com a proibição dos fogos tradicionais no São João ou as fogueiras?
Elson: Então, se acabar com isso, como eles querem, eu vou dizer que a gente perde a maior parte cultural que existe, e eu não falo nem Sergipe, nem no Nordeste mesmo. Então se vier a acabar de fato o comércio de fogos e fogueira aí acaba toda nossa tradição. Quem é daqui sabe como é o São João, São Pedro, sabe tudo. Quem é do Nordeste sabe. Então eu acho que se eles tentarem acabar com isso, eles estão acabando com a maior identidade de um povo. Imagine Estância sem o barco de fogo, Capela sem a festa do mastro, Socorro sem a queima de buscapé. Eles não tem alternativa porque se fosse para acabar, acabariam com a queima de fogos no fim do ano. Acabam? Não né?! Tem jogos de futebol, tem inauguração política e o que é que eles soltam? Fogos de artifício. Mas na época de São João eles dizem que não pode. Bom para você ter ideia, a gente que trabalha no ramo sabe, tem fogos que não queimam a pele. Você coloca na sua pele e não queima. Existem fogos que não tem barulho. Porque não se trabalha esse lado? Pra trabalhar só para acabar? Então assim, ninguém quer resolver os problemas. Em Socorro a gente tem associação, presidente, sede própria, endereço fixo, pra poder fazer reunião. A nossa briga maior é para organizar e a deles é pra acabar. Hoje em Socorro, a nossa luta e a da presidente é adquirir um espaço fixo cedido pelo prefeito para a gente fazer uma praça fixa de fogos. Porque todo ano tem que se fazer um projeto, tem que se fazer todo um processo, pedir autorização, monta desmonta tudo isso. E a gente utilizando uma praça, como eu acho que tem em alguns lugares, um comércio fixo em um terreno da prefeitura, que é a nossa luta. Eu acho difícil também eles fazerem isso, mas a presidente continua lutando para adquirir esse terreno, pra gente organizar e fazer tudo certinho. Mas volto a dizer que estamos batalhando por isso, mas é sempre o contrário. Agora mesmo em Socorro um certo vereador fez um projeto para proibir por completo [a comercialização]. Todo mundo votou a favor do projeto. O projeto já estava na mesa do prefeito para ser sancionado. Foi que vazou alguma coisa e a presidente foi lá e está tentando resolver, senão o projeto já ia virar lei. Então assim, você imagine. Todo mundo votou a favor. Já estava na mesa do prefeito sem ninguém saber, sem ninguém que trabalha com fogos saber, salvo um comerciante que já foi vereador e tem mais informação do que a gente. Ele ouviu o comentário e aí chamou a presidente daqui. Estou esperando a presidência se manifestar. Então assim, para você ter ideia do que a gente passa.

Ajunews: O senhor acredita que essas restrições favorecem o comércio irregular?
Elson: É um negócio que proíbe quem é legal e não combate quem trabalha de forma ilegal. Em todo lugar você vê gente vendendo, mas a gente que está legalizado, se botar uma banquinha, não pode. Logo, logo vem os policiais porque a gente é conhecido. Se você perguntar quem é Elson do ramo de fogos todo mundo sabe, mas pergunte quem é Dona Maria que vende lá na esquina, a daquela banquinha, ninguém sabe.

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