Entrevista
‘A gente não tem aqui uma lei de incentivo, mas já foi pior’, diz ator sergipano Manoel Cerqueira
Cortinas fechadas e o público vazio. Os teatros ainda não têm data para funcionar, em Sergipe, desde o início da pandemia de covid-19. Em entrevista ao AjuNews, o ator Manoel Cerqueira, secretário do grupo de teatro Imbuaça, que trabalha com a arte nas ruas, relatou as dificuldades enfrentadas pela classe artística que pioraram no atual momento.
À reportagem, o ator comentou também sobre a valorização da quinta arte em Sergipe, que segundo ele, poderia ser melhor assistida pelo Estado. “É claro que entre um grupo, um artista local e um que tem visibilidade midiática, o midiático que aparece na televisão, quando sobe no palco todo mundo quer ver. Às vezes não é nem pelo espetáculo, mas para ver a pessoa em cena. Tem essa história também. E os órgãos públicos deixam muito a desejar. A gente não tem aqui uma lei de incentivo, mas enfim, já foi pior ”, avaliou.
Ainda na oportunidade, o artista comentou sobre a assistência feita pelo poder público, a Lei Aldir Blanc, que possibilita o recebimento de um auxílio emergencial de R$ 600. “Não foi nem iniciativa do governo ou de secretaria de Cultura, porque o governo federal tem feito muita coisa não muito legal para cultura brasileira. Só tem errado. Mas enfim, não deixa de ser interessante, porque vai beneficiar pessoas físicas, trabalhadores da arte, que sobrevivem apenas desse trabalho, técnicos, principalmente”, afirmou.
Leia a entrevista completa:
AjuNews: Durante a suspensão das atividades culturais presenciais, como o grupo Imbuaça tem lidado com a situação, e qual a maior dificuldade enfrentada?
Manoel Cerqueira: Como o Imbuaça é um grupo que vive essencialmente de pagamento de cachês, nós dependemos da venda dos nossos espetáculos. Então, a maior dificuldade que estamos passando é exatamente a falta desse recurso financeiros. Porque mensalmente nós temos despesas. Temos uma sede que fica no bairro Santo Antônio, na Rua Muribeca, e todo mês chegam as contas de água, de luz, de vigilância, de material de limpeza, de pagar alguém para limpar. O maior problema é exatamente esse. A gente não ter esse recurso. A sorte é que nós temos uma regra dentro do grupo. Sempre que a gente vende algum espetáculo 20% vai para a conta do grupo. Então, a gente ainda tem uma reserva. Só que assim, dinheiro só saindo. Não está entrando. A gente está muito preocupado porque essa grana pode acabar na conta do grupo, e aí, como é que agora a gente vai pagar as despesas que chegam?
AjuNews: Como o grupo tem feito para contornar os problemas causados pela falta pandemia?
Manoel Cerqueira: Nós estamos correndo atrás de algumas possibilidades. Por exemplo, editais que se abrem, a gente está se inscrevendo. Até agora a gente não conseguiu nenhum. E agora, com a Lei Aldir Blanc, estamos aguardando para que tanto a Fundação de Cultura do Estado (Funcap), como a Funcaju [Fundação Cultural Cidade de Aracaju], abram os editais para que a gente também possa se inscrever. Então assim, o que nós temos feito para contornar os problemas é exatamente isso, e a gente tá se reunindo, todo o elenco, todo o grupo se reúne semanalmente para conversar, trocar ideias. Mesmo porque a gente não pode fazer muita coisa exatamente pensando na questão anterior, que é a falta dos recursos financeiros. Muitos artistas tanto aqui [Sergipe], quanto em outros estados, estão fazendo shows, as chamadas lives, espetáculos virtuais via web. Mas isso também implica em custos. Eu tenho assistido espetáculos de teatro, principalmente trabalho solo, mas que os atores estão em suas casas, ou até em grupos mesmo. Mas você precisa pagar uma plataforma, você precisa ter uma empresa por trás disso que administre a venda dos ingressos. Tudo isso implica em dinheiro. É um risco, no caso para a gente. E a gente não tem esse dinheiro para investir, para fazer esses espetáculos virtuais. Tem gente que tá fazendo, como eu falei, e tá dando certo. Não sei do ponto de vista financeiro, se o lucro é muito interessante, mas pelo menos tá acontecendo. Artistas famosos têm feito trabalhos interessantes, mas sempre tem uma empresa por trás patrocinando. Então a gente tá esperando que isso passe, e assim, correndo atrás desses editais para que esses problemas possam ser contornados. Tendo em vista que o nosso principal problema ele é econômico, do ponto de vista financeiro.
AjuNews: Qual sua avaliação sobre as medidas tomadas pelo governo federal para ajudar a classe artística até o momento, como o auxílio emergencial para os artistas?
Manoel Cerqueira: Esse auxílio emergencial que parte do governo federal, na verdade, ele não partiu do governo. É claro que o auxílio emergencial vem da Lei Aldir Blanc, e quem encabeçou essa luta foram as deputadas federais Jandira Feghali [PCdoB-RJ] e Benedita da Silva [PT-RJ]. Foram quem atentaram que a cultura tinha uma boa grana que estava lá dormindo em berço esplêndido, e criaram o projeto que passou pela Câmara Federal, passou pelo Senado e foi aprovado com o nome de Lei Aldir Blanc. Não foi nem iniciativa do governo ou de secretaria de Cultura, porque o governo federal tem feito muita coisa não muito legal para cultura brasileira. Só tem errado. Mas enfim, não deixa de ser interessante, porque vai beneficiar pessoas físicas, trabalhadores da arte, que sobrevivem apenas desse trabalho, técnicos, principalmente. Têm atores que também fazem isso, vivem apenas do produto artístico. Isso vai ser uma ajuda, é claro. Vai ser bem vinda. Assim como grupos que precisam a gente vai se inscrever, estamos aguardando. Para aquilo que falei, para a manutenção do nosso espaço. Está ainda muito confuso, a gente ainda está discutindo como esse recurso vai ser destinado. Enfim, já está aberto o cadastro, já foi aberto pela Funcap nós já nos cadastramos, e agora é esperar que eles abram o edital para a gente se inscrever e esse dinheiro chegar para que a gente respire.
AjuNews: Com relação aos projetos do grupo Imbuaça, alguma peça foi prejudicada ou pausada por causa da pandemia?
Manoel Cerqueira: Tudo parou, tudo teve que ser suspenso. Nós estávamos com esse espetáculo novo, que estreou no ano passado. Na verdade ele não é novo, a “Face dos Opostos’ já é uma terceira versão. Nós demos uma repaginada no espetáculo, mudou todo o visual do espetáculo, teve algumas mudanças no texto, enfim. A gente estreou em São Cristóvão, no Festival de Artes. Esperamos passar o final de ano, veio toda aquela fase de fim de ano, de férias. Quando a gente começou a retomar, que foi no final de fevereiro, pós carnaval, a gente retomou, voltou a ensaiar porque era até para filmar para ter isso gravado e poder se inscrever em editais, aí aconteceu a pandemia. A gente parou geral, e as artes cênicas de forma geral não têm outra possibilidade, a gente precisa do público. A gente [Imbuaça] principalmente, porque é um grupo de faz teatro de rua, a gente faz muito pouco teatro de sala. Até leva às vezes o nosso espetáculo de rua, faz uma adaptação e leva para o palco, mas o nosso carro chefe, digamos assim, a nossa marca é o teatro de rua. Então, complica mais ainda.
AjuNews: Como é o mercado teatral em Sergipe? Existe a valorização da cultura do teatro aqui no estado?
Manoel Cerqueira: Existe uma valorização pelas pessoas. A gente tem público, as pessoas gostam de ir ao teatro. Às vezes não vão mais porque também não tem muita oferta. Os grupos daqui, os artistas daqui não têm muito como investir. Tem muita gente corajosa como a gente que mete as caras e faz, corre atrás de recurso, aqui e acolá, se inscreve em editais. Às vezes monta um espetáculo como a gente já fez várias vezes, sem recurso nenhum, reaproveitando figurino, reciclando coisas que a gente tem que é para botar a cara na rua. Então, assim, existe essa valorização, as pessoas, o público valoriza, sim. É claro que entre um grupo, um artista local e um que tem visibilidade midiática, o midiático que aparece na televisão, quando sobe no palco todo mundo quer ver. Às vezes não é nem pelo espetáculo, mas para ver a pessoa em cena. Tem essa história também. E os órgãos públicos deixam muito a desejar. A gente não tem aqui uma lei de incentivo, mas enfim, já foi pior. Os artistas estão sempre reivindicando através dos sindicatos, através de ações isoladas, reivindicando aos governantes, desses órgãos que gerenciam a cultura ações que possibilitem a nossa sobrevivência.
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