Educação


Educação Inclusiva: escola da rede estadual de Sergipe priorizou tempo, ritmo e forma de aprendizagem dos alunos na pandemia


Publicado 05 de janeiro de 2022 às 17:25     Por Leonardo Tomaz     Foto Leonardo Tomaz

O caminho para tornar o processo educacional sólido em meio a uma crise sanitária global gerou uma movimentação inspiradora pelos segmentos da educação pública, em especial para a educação inclusiva. Nesse contexto, todos tinham plena consciência de que não seria fácil, mas as possibilidades seriam inúmeras. A equipe do Centro de Atendimento Educacional Especializado João Cardoso Nascimento Júnior, em Aracaju, fez exatamente assim: expandiu as alternativas e levou o conteúdo para todos os 122 alunos matriculados, priorizando o tempo, ritmo e forma de aprendizagem de cada um.

No campo da deficiência de alto comprometimento, especificamente a realidade do João Cardoso, um dos grandes compromissos assumidos pela gestão e corpo docente foi promover não apenas o acesso, mas também a permanência dos alunos, com o objetivo de potencializar as habilidades, dentro das possibilidades de aprendizagem de cada um, ações que demandaram a construção de uma proposta curricular diferenciada das demais unidades de ensino a partir do que está fixado nas normas vigentes, fundamentadas no Currículo Funcional Natural (CFN).

Segundo a professora Flávia Fernanda Santos Dias Andrade, gestora do João Cardoso, um dos grandes desafios impostos pelo afastamento social e suspensão das aulas presenciais foi demonstrar às famílias dos alunos a importância de dedicar tempo para realizar as atividades propostas pelos professores. “Para tanto, consideramos de fundamental importância esclarecer aos pais os objetivos envolvidos nas atividades, apontando que estas contribuirão para um ganho cognitivo real, mesmo que muitas vezes pareçam muito simples, como imitar gestos ou executar tarefas de vida diária”, frisou.

Com o alinhamento do plano, tanto a equipe gestora como os professores se debruçaram na busca da superação dos possíveis entraves para a realização das atividades. “As diferentes demandas advindas dos nossos alunos que apresentam deficiências de alto comprometimento justificam as escolhas que desafiaram toda a comunidade escolar na busca por alternativas de baixa tecnologia e de amplo acesso. Em relação à organização das atividades, cada professor buscou contemplar diversas formas de chegar aos alunos, atuando em várias frentes: áudios, vídeos e videochamadas. À medida que as atividades vão sendo cumpridas, aumenta-se a complexidade delas, num fazer pedagógico prazeroso e rico de significado”, declarou a diretora.

O caminho para a fundamentação das aulas remotas estava sendo trilhado com muito afinco. A equipe do Centro de Atendimento Educacional Especializado João Cardoso Nascimento Júnior usou esse engajamento em favor do aprimoramento do atendimento aos alunos. “Começamos a refletir sobre os tipos de vídeo que mais estavam tendo retorno, os horários em que os alunos estavam mais dispostos, as atividades mais fáceis de serem adaptadas, fazendo uso de objetos de que eles já dispunham em casa. Pensamos em como demonstrar aos pais a importância da execução das atividades, por expor a estes os pressupostos teóricos que as embasam, com uma linguagem acessível, e ao mesmo tempo expondo os ganhos cognitivos esperados. Além disso, alguns professores elaboraram atividades impressas e montaram kits de material para auxiliar as atividades remotas”, detalhou Flávia.

Extensão de saberes
“Hoje, Anny se comunica mais dentro de casa, me ajuda nos afazeres e começou a falar mais”, disse a dona de casa Poliana Batista do Nascimento Silva, mãe da aluna Anny Rafaela Nascimento, ao narrar a evolução de sua filha durante as atividades escolares não presenciais que ainda permanecem. “No início foi um pouco difícil, mas depois ela conseguiu adaptar-se às aulas online, e com o apoio da escola tudo foi se encaixando. Ela se desenvolveu bastante nas letras, números, cores e soltou mais a fala”, comemorou a mãe, orgulhosa.

Bastante participativa, Anny Rafaela, de 13 anos, aluna com Transtorno do Espectro Autista, tem uma rotina de estudos movimentada. As aulas ocorrem ao vivo por videoconferências. Poliana Batista explica que essa interação também tem surtido efeito na relação com a filha. “Marcamos um horário bom para ela e fizemos a aula pela plataforma Google Meet no meu celular. A professora Irailde Gomes dá início à aula com uma música e depois faz perguntas, e muita das vezes Anny responde bem ao comando”, salientou.

A diretora Flávia Andrade explica que, apesar de muitas famílias estarem envolvidas, cerca de 80%, com as aulas remotas, “ainda temos a resistência de alguns pais. Estamos, enquanto equipe escolar, sempre debatendo formas de envolvê-los, e uma das formas que foram planejadas foi promover encontros virtuais para tratar de assuntos diversos, como saúde emocional, por exemplo. Além disso, a equipe gestora entra em contato com alguns pais por telefone, em um trabalho de busca ativa escolar. Os professores também procuram estar acessíveis à fala dos pais, que muitas vezes justificam suas dificuldades em realizar o que é proposto”.

Preparar cenário, posicionar bem a câmera, ajustar iluminação, checar o áudio, ações comuns na produção de conteúdos audiovisuais são, agora, comuns também para os professores que se apropriaram das mais variadas ferramentas digitais para aprimorar a manutenção das aulas não presenciais. A educadora Irailde Gomes Aragão de Melo, da área de Práticas de Ampliação Motora e Cognitivas, é um dos exemplos inspiradores do Centro de Atendimento Especializado João Cardoso que tem desenvolvido, desde o início da pandemia, atividades gravadas e realizado encontros ao vivo para acompanhar os alunos.

“Nosso isolamento é muito prejudicial na quebra da rotina deles. Mães relataram que seus filhos estavam agressivos e ansiosos. Comecei lendo histórias folclóricas brasileiras, ao final, interpretação oral e, gradativamente, fui ampliando os horários de cada aluno. Àqueles cujas famílias disponham de computador com impressora, enviei também atividades e, aos demais ao fim do conteúdo, aplico um exercício”, disse Irailde Gomes, ao explicar como se deu o início das atividades remotas.

Ainda de acordo com ela, seguindo a ordem natural do processo educacional para os alunos de alto comprometimento, os professores de educação especial se reinventam a todo momento para o aluno se perceber como um indivíduo funcional e atuante, dentro das suas possibilidades. “Então, meu maior desafio foi ter que lidar com essa tecnologia digital. Aí fui experimentando aula com datashow, usando dois celulares para chamada de vídeo, e aos poucos eu fui aprimorando essa técnica e tendo mais intimidade com ela”, confidenciou Irailde Gomes, reforçando o apoio das famílias na condução das aulas remotas, cujo material trabalhado é balizado ao currículo da escola.

Trabalhando no presente e pensando no futuro, a professora Irailde destaca a importância da parceria com as mães e pais dos alunos, bem como a continuidade das atividades pós-pandemia, ao adotar a metodologia de ensino híbrido. “A participação das famílias foi um ganho formidável; um ganho que posteriormente a gente vai continuar utilizando, mesmo depois da pandemia. Vamos manter também a atualização das redes sociais, os vídeos, as produções de aulas, porque muitas vezes nossos alunos precisam ficar internados, ou então quando ele precisar se ausentar devido à mudança de medicação”.

Intensificando a relação professor/aluno com deficiência, as estratégias de abordagem do conteúdo precisaram de uma nova roupagem. Foi utilizando a música como ferramenta pedagógica que o professor Helon Bacellar deu ritmo às aulas remotas. “A música, como uma das quatro linguagens da arte, torna possível a integração de pessoas por uma esfera além da razão. Considerando que grande parte do nosso público-alvo apresenta sério comprometimento cognitivo, a melodia e o ritmo tornam fáceis e agradáveis os processos de comunicação com esses alunos. É uma forma de manutenção do elo com eles”.

“A produção e edição de vídeos fazem com que os professores se coloquem como agente da socialização da cultura, formando uma cadeia de trocas de experiências com os alunos e responsáveis para que juntos possamos redefinir e tornar acessível o conhecimento. Em continuidade a esta relação de construção do conhecimento, os alunos respondem às atividades musicais por meio de outras linguagens da arte, como o desenho e pintura, a dança e/ou a encenação teatral, de modo que a ludicidade permeie todo o processo de ensino e aprendizagem”, completou Helon.

Para o professor Nicholas Andrade, a continuidade dessas atividades a distância deve ser mantida enquanto até o fim da pandemia, tendo em vista que o público-alvo do Centro Atendimento Educacional Especializado João Cardoso é constituído de alunos de Alto Comprometimento, cuja maioria tem uma saúde muito debilitada em vários aspectos, o que os predispõe maior gravidade quanto ao recrudescimento dos sintomas, pois fazem parte do grupo de risco. “O ensino remoto não é uma forma ideal de ensino, até porque o nosso público exige uma pedagogia de presença efetiva do educador. Porém, diante de todos os obstáculos, notamos que o vínculo da criança e da família com a instituição escolar persiste e, dentre todas as soluções propostas para este momento ímpar da História atual, essa metodologia foi a mais eficaz”, pontuou.

“Juntos somos mais fortes”
A união entre os segmentos tornou-se o fio condutor das ações do João Cardoso. A diretora Flávia Andrade relata que essa experiência de aulas remotas, imposta pela realidade da pandemia da Covid-19, de início foi um choque e um desafio imenso. “Não estávamos acostumados a lidar com câmeras, aplicativos de edição, divulgação de vídeos em redes sociais. Encaramos nossos medos e limitações, pedimos ajuda, e no decorrer da experiência fomos nos refinando”.

“Percebemos que, no caso de nossa escola em especial, o ensino remoto será algo utilizado além do período de pandemia. Chegamos a esta conclusão ao ouvir dos pais que é bom ter gravado o conteúdo escolar, pois eles podem reforçar em casa o que seus filhos trabalham na escola. Também nos ajudará no cumprimento de sábados letivos, por exemplo, pois muitas vezes é complicado providenciar a locomoção e disponibilidade de tempo dos pais para cumprir essas demandas. Estas são só algumas das descobertas feitas neste período de isolamento social. Mas se fosse necessário resumir o que aprendemos desta experiência em uma só frase, esta seria: Juntos somos mais fortes”, concluiu.



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