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Eleição prorrogada: um remendo arriscado
O nosso encontro com as urnas não será em outubro, como de costume, mas em novembro. Primeiro turno, dia 15. Segundo turno, dia 29. O prazo eleitoral, rígido e regido pela Constituição Federal, foi alterado por motivo conhecido: a pandemia do coronavírus. A concepção do novo normal ainda não é fundamentada e estamos vivenciando o pico da doença do Brasil. Sair às ruas para fazer campanha e reunir milhões em colégios eleitorais nos mais diversos cantos brasileiros tornou-se um alerta aos sanitaristas que temem uma segunda onda do covid-19.
Ideias mirabolantes surgiram aos montes. Conservar a eleição, pelo dito jurídico, seria a garantia de que nada abalaria o prazo constitucional. Mas fomos pelo remenda, ou, melhor dizendo, emenda. A Proposta de Emenda à Constituição sobre a prorrogação do pleito surgiu como paliativo momentâneo. De fato, o regime político e jurídico não é exato, mas humano e, para tanto, é subjetivo. Cabe discussão. Mas até que ponto não se abriu uma brecha que impacte pleitos futuros? Vamos pairar com esse risco.
Prefeitos, no poder, espertamente, queriam a extensão do mandato. Eleição em 2021. Surreal! Outros, a eleição em outubro, pois, claro, a tática só beneficia quem está sentando na cadeira do cargo, afinal só esses puderam, de certo modo, unir o trabalho preventivo com a política. Os grupos de oposição bradaram por mais tempo e com razão. Precisam correr atrás do prejuízo.
A política eleitoral brasileira de município que se preza não é feita pela televisão, pelo rádio, pela internet por si só. Tem que ter cheiro de povo. Tem quer ter gente na rua. Tem que ter visita, reunião, carreata e o sacudir da bandeira. Isso impactou a decisão da PEC.
Outro tópico relacionado por políticos e juristas com os quais conversei me convencem do seguinte: o Congresso quis dar uma resposta imediata a situação e não ser levado a reboque pelo Judiciário. Existe uma queixa substancial no nosso ordenamento da “legislação” feita pelo sistema jurídico através da formatação de jurisprudências que levam a interpretações diversas frente às lacunas legislativas.
Caso o Congresso não tivesse dado a resposta e controlado a formatação e concepção da norma, o que de fato é o seu principal papel dentro do processo legislativo, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), via ministro Barroso, iria intervir numa solução caseira. A consonância dos discursos e o entendimento dos magistrados e dos presidentes das casas Alta e Baixa resultaram da Proposta de Emenda à Constituição promulgada e já em vigor.
Alterar a rigidez da Constituição é algo perigoso. No início da pandemia, cheguei até a defender a extensão dos mandatos dos prefeitos e unificação dos pleitos em 2022, afim de se cumprir aquilo que a reforma eleitoral, lá atrás, já poderia ter feito e assim não o fez. Contudo, fui convencido em leituras de constitucionalistas e eleitoralistas da não realização desta alteração neste momento, a reboque, e, de fato, o clima não permitia uma discussão minuciosa como o tema pede.
Mas a prorrogação foi feita. Há quem diga que agora tudo pode se voltar ao combate ao coronavírus: ledo engano. Ganhou-se tempo para discutir ainda mais o pleito. Quem garante como estará o novo normal em novembro? Eleição teremos, na marra! Mas precisamos dela para garantir o Estado Democrático de Direito – com ou sem corona.
Victor Pinto é editor do BNews, jornalista formado pela Ufba, especialista em gestão de empresas em radiodifusão e estudante de Direito da Ucsal. Atua na cobertura jornalística e na área administrativa de rádios em Salvador.
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