Entrevista
Com dois tipos de vacinas contra covid-19 em Sergipe, infectologista diz que imunizantes “não são parâmetro para afrouxar regras”
Mais de 45 mil doses de imunizantes contra a covid-19 já foram distribuídas pelos municípios sergipanos, em janeiro deste ano. Apesar disso, mesmo com as vacinas de Oxford/ AstraZeneca e CoronaVac, as medidas restritivas ainda são essenciais para diminuir a taxa de transmissão do vírus em Sergipe.
Em entrevista ao AjuNews, o especialista em Doenças Infecciosas e Parasitárias pelo Instituto de Infectologia Emílio Ribas, Marco Aurélio Góes, afirmou que as vacinas não são parâmetro para afrouxar as regras impostas pelas autoridades. Segundo ele, devido às limitações da vacinação em grupos prioritários, atividades como aulas presenciais não podem estar condicionadas à imunização.
“A vacina, principalmente nessas fases iniciais em que a gente está limitado apenas aos profissionais de saúde e depois aos grupos prioritários, não é um parâmetro para afrouxar regras, é mais uma medida que deve ser feita junto a todas as outras regras. As voltas às aulas não podem estar condicionadas à vacinação, principalmente porque as crianças e adolescentes não serão vacinados até existir uma autorização para vacinação nessas faixas etárias. Apenas professores estão como grupo prioritários. Tem que se observar para o retorno é como está a transmissão no estado e ficar atento”, disse.
Com as duas vacinas sendo distribuídas no estado, o infectologista ainda frisou à reportagem que é crucial que mais doses sejam garantidas para que o plano de vacinação tenha continuidade e a imunização seja efetiva. Além disso, Marco Aurélio também destacou que é “importante entender que atualmente não existe tratamento medicamentoso precoce para a covid-19”. E, também detalhou que sobre possíveis casos de reinfecção sobre a doença.
AjuNews: Em sua visão, com o início da vacinação é possível afrouxar as medidas restritivas, como volta às aulas presenciais, por exemplo?
Marco Aurélio: Não, a vacina, principalmente nessas fases iniciais em que a gente está limitado apenas aos profissionais de saúde e depois aos grupos prioritários, não é um parâmetro para afrouxar regras, é mais uma medida que deve ser feita junto a todas as outras regras. As voltas às aulas não podem estar condicionadas à vacinação, principalmente porque as crianças e adolescentes não serão vacinados até existir uma autorização para vacinação nessas faixas etárias. Apenas professores estão como grupo prioritários. Tem que se observar para o retorno é como está a transmissão no estado e ficar atento.
AjuNews: Em Sergipe, o governador e sua equipe da Saúde decidiram usar o lote das doses que chegaram no estado para garantir a primeira e segunda dose para os prioritários da primeira fase de vacinação contra a covid-19. Qual sua avaliação sobre isso?
Marco Aurélio: O Estado já recebeu um lote dos dois tipos de vacina. Como a vacina da CoronaVac necessita que seu reforço seja feito em até 28 dias no máximo, o Estado estabeleceu 21 dias de intervalo entre as doses, foi optado. Eu concordo que deve ser assegurada a segunda dose. Se a gente tivesse a garantia do envio de novas doses nesse pouco tempo, poderia ter ampliado mais a primeira dose e os prioritários. Recebemos também a vacina da AstraZeneca, que é só uma dose. As 19 mil que chegaram vão ser aplicadas com uma única dose. Como o reforço dela pode ser feito por até três meses, é tempo suficiente para estarmos recebendo. É preciso que não se amplie a vacinação sem a garantia de uma segunda dose.
Ajunews: Em sua avaliação, vacinar idosos e outras pessoas do grupo de risco é melhor para a economia do que vacinar jovens e adultos, que são as pessoas que mais circulam pelas cidades?
Marco Aurélio: Não enxergo a vacina com aspecto só bom para a economia. Na realidade, a vacina deve ser feita para os grupos que tem mais exposição e que são mais necessários para garantir atendimento, como profissionais de saúde da linha de frente. Eles precisam ser vacinados para o sistema não entrar em colapso. Mas, quanto a gravidade em casos de óbitos, defendo totalmente que os idosos devem ser priorizados, principalmente, idosos com comorbidades e as pessoas com comorbidades, porque eles sim tem maior risco e ter complicações, e ser internados e até evoluir a óbito. Se a infecção pelo coronavírus não causasse a necessidade de internar pessoas e nem levasse a tantos óbitos, ela poderia sim ser tratada como mais leve e nem teria tanta repercussão na economia.
Ajunews: Por viés ideológico, algumas pessoas são contra a vacinação e, principalmente, com os imunizantes contra a covid-19. Em sua opinião, de que forma seria possível gerar uma imunização de rebanho em meio ao movimento antivacina?
Marco Aurélio: Apesar do movimento antivacina existir e ser responsável pelo retorno de várias doenças infecciosas que já tinham sido eliminadas, como o surto de sarampo, acaba trazendo isso. Além do movimento antivacina, temos aí um viés ideológico, que na realidade é sem fundamentação, é um movimento acéfalo que tenta combater as pessoas através da disseminação de informações inverídicas. As vacinas são seguras, importantes para humanidade, podem trazer efeitos adversos, mas que sempre, quando aprovadas, são efeitos menores do que a própria doença pode trazer para as pessoas. Divulgar informações e conhecimento é o que vai fazer com que as pessoas acreditem e queiram se vacinar. E com todo esse viés ideológico, a gente observa que tem tido uma grande procura pelos serviços de vacinação. É importante que os gestores deem um exemplo nos seus discursos para que a gente veja bons resultados. As vacinas que a gente tem são boas para esses objetivos de diminuir gravidades e óbitos e, junto às outras medidas, diminuir a transmissão do vírus.
AjuNews: Quem toma CoronaVac na primeira dose pode tomar a vacina de Oxford na segunda?
Marco Aurélio: A vacinação, quando a gente avalia e identifica os estudos sobre segurança e eficácia das vacinas, é a eficácia das duas doses da mesma vacina. Isso é muito importante. Quando a gente identificou nos estudos que a CoronaVac protege 100% dos óbitos e mais de 78% das formas graves, isso se refere à pessoa que tomou as duas doses da mesma vacina , que tem o mesmo tipo de componente. Cada vacina, sua dose e sua posologia específica. A CoronaVac tem que ser no intervalo de 2 semanas a 4 semanas e, a da AstraZenenca, em até 12 semanas após. Então, cada uma deve ser usada pela forma que os estudos foram feitos pelo menos até ter muita experiência sobre elas e avaliar se algo diferente pode ser feito.
AjuNews: O Ministério da Saúde chegou a divulgar alguns casos de reinfecção pelo novo coronavírus. No entanto, mais pessoas do que se é divulgado alegam ter sido contaminadas mais de uma vez pelo vírus. Como isso é possível? Há um período mínimo entre uma infecção e outra?
Marco Aurélio: Temos que entender que esse é um vírus que a gente conhece ele causando doença humana nesse último ano. Então, muita coisa tem sido descoberta. Inicialmente, acreditava-se que uma vez tendo pego a covid-19 ou infecção pelo vírus sars-cov-2 iria criar uma imunidade que talvez fosse permanente e, com isso, na medida que as pessoas fossem pegando, não pegariam mais e criarem uma barreira para a transmissão da doença. Só que na prática, temos visto que, a duração dos anticorpos produzidos pelas células de defesa é transitória, às vezes durando de três a seis meses, e algumas pessoas nem criam esses anticorpos. E, além disso, a gente vê que é um vírus que tem muita mutação e várias linhagens e os anticorpos nem sempre são eficazes para combater uma outra linhagem. Há um critério considerado hoje padrão para considerar uma reinfecção, que seria pelo menos ter uma duração entre uma infecção e outra de 3 meses, e ser por linhagens diferentes. Nem sempre é fácil provar tudo isso, principalmente no início, quando não se guardavam as amostras para fazer o sequenciamento genômico para saber se eram de linhagens diferentes. Quando a doença retorna depois de um mês com sintomatologia ou com positividade de exames, acredita-se que é uma reativação e não uma reinfecção. É claro que ainda temos muito a descobrir sobre isso. Há também descrição de pessoas infectadas com mais de uma linhagem do mesmo vírus.
AjuNews: Na pandemia, circularam várias informações falsas sobre o tratamento precoce contra a covid-19 com medicamentos que não possuem eficácia comprovada para a doença. Qual sua avaliação sobre isso?
Marco Aurélio: É importante entender que atualmente não existe tratamento medicamentoso precoce para a covid-19. O que a gente tem é um cuidado precoce, uma atenção precoce, então as pessoas que estão com suspeitas precisam estar sendo acompanhadas pelo sistema de saúde para que se apresentarem, no percurso da doença sintomas que possam se agravar, como febre alta, mal estar, tonturas, falta de ar, retornem para um serviço de saúde com urgência, para que possam receber o tratamento. Há medicamentos que ajudam em algumas fases da doença, como o uso de corticoide, mas em uma fase inflamatória típica da doença. Os antibióticos, os medicamentos anti malária não têm mostrado poder nem para diminuir o número de casos e nem complicações. Então não existe tratamento precoce, quando existir estaremos apoiando, quando as evidências científicas tiverem de fato um tratamento para prevenir as complicações da covid-19. Infelizmente, atualmente a gente não tem. Então temos que nos ater as medidas preventivas
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