Economia


Mariana: estudos mostram caminhos para recuperar solo com rejeitos


Publicado 25 de fevereiro de 2020 às 21:00     Por Agência Brasil     Foto Tânia Rêgo / Agência Brasil

Desde que a barragem da mineradora Samarco se rompeu em Mariana (MG) em novembro de 2015, equipes de pesquisadores da Universidade Federal de Viçosa (UFV) assumiram a tarefa de contribuir para apresentar soluções e caminhos possíveis para a reparação. Os resultados já apareceram com a retomada da produção em propriedades agrícolas que foram afetadas pela lama e também com a recuperação vegetal em algumas áreas.

Com o avanço das pesquisas, elas atraíram o interesse e a parceria da Fundação Renova, entidade criada conforme o Termo de Transação e Ajustamento de Conduta (TTAC) firmado entre a Samarco, suas acionistas Vale e BHP Billitons, o governo federal e os governos de Minas Gerais e do Espírito Santo. Cabe a ela administrar, com recursos das três mineradoras, todas as ações de reparação previstas. No últimos dias, a Fundação Renova vem divulgando alguns apontamentos dos pesquisadores.

“Os resultados dos experimentos que realizamos são muito promissores. Em três anos, praticamente dobrou o teor de carbono. Da mesma forma, o teor de fósforo, que é um nutriente muito importante para todas as plantas”, disse o pesquisador da UFV especialista em solos, Carlos Ernesto Schaefer.

A ruptura da barragem liberou uma avalanche de 39 milhões de metros cúbicos de rejeito, que levou 19 pessoas à morte e causou poluição, afetando dezenas de municípios na Bacia do Rio Doce. A maior parte da lama se concentrou entre a estrutura e a Usina de Candonga, no município de Santa Cruz do Escalvado (MG), que funcionou com uma espécie de barreira. Foi essa a área priorizada pelos pesquisadores em um primeiro momento.

Uma equipe coordenada por Schaefer fez uma coleta de solo em mais de 60 pontos nessa área para caracterizar a natureza do rejeito. “Fizemos um análise química, física e mineralógica completa. Verificamos que o rejeito da barragem não apresentava problemas químicos maiores para as plantas, exceto o fato de ser um sedimento muito pobre. Daí a necessidade da adição de corretivos, eventualmente fertilizantes orgânicos e inorgânicos. Mas não há nenhuma razão para a vaca não estar se alimentando do pasto que está lá”, diz.

Ele explica ainda que, além do uso de aditivos, uma segunda estratégia foi cobrir o rejeito com topsoil de outras localidades. Dependendo da área, foram aplicadas camadas de 40 a 50 centímetros. O topsoil é uma camada superficial de solo rica em matéria orgânica e em microorganismos, onde a maior parte da atividade biológica ocorre.

Manter o rejeito no meio ambiente em determinadas áreas, e não removê-lo, foi uma das diretrizes definidas no Plano de Manejo de Rejeitos elaborado pela Fundação Renova em 2017. Schaefer foi um dos pesquisadores consultados para a definição dessas diretrizes. “Nós temos mostrado que essa camada de rejeitos não precisa ser removida. É possível produzir sobre ela. O tratamento do rejeito é o melhor caminho para o retorno produtivo rápido dessas áreas, e isso já está acontecendo graças às intervenções que vêm sendo feitas”.

O próximo desafio, segundo o pesquisador, é avançar na pesquisa e ir além da Usina de Candonga. Serão avaliadas áreas em que não houve deposição de rejeito, mas onde a lama passou, carregada pelo Rio Doce, em direção à foz.

Outras pesquisas
A mobilização de pesquisadores da Universidade Federal de Viçosa se deu desde os primeiros dias após a tragédia. Meses depois, um edital da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig) foi lançado para selecionar 29 projetos dedicados a estudar os efeitos do rompimento da barragem. Entre os contemplados, sete foram da UFV, somando cerca de R$ 985 mil.

Em 2018, um novo edital foi lançado pela Fapemig, em parceria com a Federação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Espírito Santo (Fapes), para financiar 15 projetos. Foram aprovadas quatro propostas da UFV, que somaram R$ 1,2 milhão. Os avanços dos estudos geraram o interesse da Fundação Renova, que também contratou sete projetos com recursos que somam R$ 8 milhões. “Creio que, atualmente, na parte continental do local atingido, a UFV é a universidade que mais tem contribuído com técnicas e soluções para a recuperação das áreas degradadas”, afirmou o pesquisador Igor Assis em balanço divulgado pela instituição em novembro do ano passado.

Um dos estudos desenvolvidos em parceria com a Fundação Renova é liderado pela pesquisadora Maria Catarina Megumi Kasuya. Sua proposta é inocular microrganismos que eram típicos da região para favorecer o crescimento de espécies vegetais nativas que foram suprimidas pela lama.

“O que o pessoal conhece como micróbio, a priori, todo mundo acha que é só organismo ruim. Mas, na realidade, a grande maioria é benéfica. Então, estamos tentando explorar o lado bom. Selecionamos microorganismo benéficos, multiplicamos e agora estamos tentando introduzi-los no processo de formação de mudas. São mudas que já estão sendo produzidas e aí nós vamos introduzi-las na área onde tem rejeito e também em áreas próximas, onde não tem rejeito”, explica Kasuya. Segundo ela, um dos benefícios que os microorganismos promovem é a fixação biológica do nitrogênio.

Reflorestamento em Mariana e outras áreas
O TTAC que estabeleceu as medidas de reparação e a criação da Fundação Renova fixou o compromisso de reflorestar não apenas a região atingida, mas outros 40 mil hectares em caráter compensatório. A definição dessas áreas também contou com o apoio da UFV, bem como da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Passados mais de quatro anos da tragédia, os trabalhos ainda estão no início. “Primeiro tivemos que discutir onde seriam aplicados nesses 40 mil hectares. Pedimos esse estudo que a UFV fez com a UFMG. Nos primeiros anos, nós focamos nesses estudos de priorização de áreas para fazer a restauração florestal. E as atividades começaram no meio do ano passado”, informa Lucas Scarascia, líder de Programas Socioambientais da Fundação Renova.

Segundo ele, são previstos investimentos de R$ 225 milhões no programa de usos sustentável da terra, que envolve, além da restauração florestal, a recuperação de 5 mil nascentes, a assistência aos animais, a retomada de atividades agropecuárias e o fomento ao Cadastro Ambiental Rural (CAR). Scarascia afirma que entre as propriedades rurais atingidas, houve até o momento 80% de adesão. Conforme a Agência Brasil mostrou em novembro, alguns produtores de leite reclamam que não estão sendo devidamente acolhidos no processo de reparação.

Os dados da Fundação Renova mostram que houve 1.135 atendimentos no âmbito do programa de melhoramento genético de rebanho e que 1.026 inseminações artificiais foram realizadas. Além disso, 204 propriedades foram avaliadas pela metodologia ISA. A partir dessa avaliação, a Fundação Renova faz uma proposta para recuperação e recomposição da área de preservação ambiental.



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