Artigo
A farsa por trás das carreatas bolsonaristas
O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) tem se apoiado em grandes atos de rua dominicais pelo Brasil (ilegais, diga-se) para demonstrar algum tipo de apoio popular no momento em que a pandemia do novo coronavírus impede que as pessoas possam sair de casa para igualmente realizar manifestações contrárias ao seu governo. Uma das estratégias mais usadas até o momento são as famosas carreatas, realizadas sobretudo em São Paulo, Rio, Brasília e também em Salvador.
No ato governista da capital federal no último domingo (24), algumas imagens chamaram a atenção. A primeira mostrava uma grande carreata causando congestionamento na Esplanada dos Ministérios. A segunda, no entanto, transmitida pelo próprio Bolsonaro nas redes sociais, mostrava que a participação de pedestres foi “minguada”.
A estratégia política esconde, todavia, uma velha tática utilizada por políticos que desejam produzir uma grande fotografia de demonstração de força e arregimento de massas – sobretudo em campanhas eleitorais. As três fotos abaixo, produzidas para um estudo de mobilidade urbana, explicam a tática.
Na primeira imagem, vemos um grupo de 60 pessoas ao lado de um ônibus ocupando um pequeno espaço no meio da rua. Esse grupo poderia ser acomodado perfeitamente dentro de um único veículo. Na segunda foto, as mesmas pessoas aparecem em bicicletas ocupando um espaço maior, mas ainda reduzido. A terceira foto toca no ponto essencial das carreatas: as mesmas 60 pessoas, que preenchem um único ônibus, conseguem ocupar todo o espaço geográfico da rua com seus veículos particulares.
Um famoso comercial dos veículos “Saturn: Sheet Metal” também explica didaticamente o espaço ocupado pelos veículos conduzidos por humanos. A imagem mostra um estacionamento sem veículos, onde as pessoas aparecem espalhadas por todo o local, sem efetivamente preenchê-lo.
Há certa dúvida, também, a respeito da organicidade do pequeno grupo que ainda vai nessas manifestações. No dia 3 de maio, um grupo bolsonarista que se identifica como “Acampamento dos 300” montou diversas barracas em frente ao Palácio do Planalto. O protesto foi questionado pelos internautas logo quando as primeiras imagens começaram a circular nas redes sociais: todas as barracas de camping do local eram iguais. Se a manifestação foi mesmo espontânea, será que todos os participantes decidiram comprar o mesmo modelo de barraca? Nas redes sociais, o grupo recebeu a alcunha de “mortadela gourmet”.
Chama a atenção também a presença de militantes, travestidos de manifestantes, ocupando cargos no governo. No final de abril, um grupo de enfermeiros decidiu fazer um protesto para homenagear colegas de trabalhos mortos durante a pandemia do novo coronavírus na Praça dos Três Poderes, em Brasília. No local, um grupo bolsonarista partiu para cima dos participantes. Logo após o caso ganhar ampla repercussão na mídia, descobriu-se que um dos agressores era funcionário terceirizado do Ministério da Mulher, Família e dos Direitos Humanos – pasta comandada pela ministra Damares Alves.
É inegável que Bolsonaro ainda tem grande apoio popular. Contudo, a pressão contra o governo vem aumentando. Pesquisas indicam que o presidente vem perdendo apoio desde as demissões dos ex-ministros Sergio Moro, Henrique Mandetta e Nelson Teich. A avaliação negativa disparou 10% em 35 dias e alcançou 50%, segundo pesquisa da XP Investimentos realizada pelo instituto Ipespe e divulgada no último dia 19 de maio. Em 15 de abril, a porcentagem de “ruim e péssimo” correspondia a 40% dos entrevistados.
O levantamento, contudo, ainda não conta com o impacto do vídeo da polêmica reunião ministerial do dia 22 de abril e da operação da Polícia Federal, a mando do Supremo Tribunal Federal, contra disseminadores de fake news.
*Henrique Brinco é repórter de política do BNews e do jornal Tribuna da Bahia, tendo passado pelos principais portais de notícias do estado. Twitter: @brinco
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