Entrevista


Medidas do governo não chegam à metade dos artistas que precisam, avalia vocalista do The Baggios


Publicado 09 de agosto de 2020 às 07:00     Por Larissa Barros     Foto Fernando Correia

Indicada duas vezes ao Grammy Latino e com mais de 15 anos de carreira, a banda sergipana de blues rock e música brasileira, The Baggios, teve que adiar sua turnê pela Europa devido ao coronavírus. Em entrevista ao AjuNews, Julio Andrade, guitarrista e fundador do trio nascido em São Cristóvão, na Grande Aracaju, revelou como o grupo enfrenta a pandemia. A banda, inclusive, lançou um música em junho, “Quareterna Serigy”, poucos meses após o isolamento social ser decretado no país.

“Demonstra um pouco dessa angústia, não só pelo isolamento, pela falta de shows e meio de trabalho, mas também pelo momento político que a gente está passando com um presidente super despreparado fazendo com que o Brasil e as pessoas sigam seus conselhos de retrocessos, ultrapassados e super perigosos até”, disse.

Durante a conversa, Júlio reforçou também que apesar de medidas de fomento à cultura feitas pelo Governo de Sergipe, como o edital ‘Reivente-SE’, ainda são iniciativas que não atingem metade dos profissionais que precisam de ajuda.

“Por parte do governo do estado, eles fizeram um edital que achei bem bacana. Contempla algumas pessoas, mas, boto fé que não chega nem na metade das pessoas que estão precisando. Então, acho que a gente fica esperando mais, alguma outra ação para poder somar e atingir a todo mundo mesmo”.

Leia a entrevista completa:
AjuNews: Qual a maior dificuldade que o grupo tem enfrentado durante esse período de isolamento por causa da pandemia causada pelo novo coronavírus?
Júlio Andrade: A primeira maior dificuldade é o contato físico e pessoal ali, da gente se reunir. Não só entre a banda, mas com os amigos. Sair um pouco da rotina convencional e mergulhar numa rotina mais caseira. Isso reflete muito no nosso planejamento, na nossa forma de fazer arte, porque mexe com a cabeça, mexe com a rotina. Mas achei interessante por um lado porque a gente acabou buscando outras formas de se manter, produzindo coisas, tocando músicas, e tem isso assim. A dificuldade financeira, manter uma renda mensal também, porque não tem uma fonte principal, os shows eram n nossa fonte principal. Então, quando surgem alguns editais a gente se inscreve, mas nem sempre é contemplado. Acho que também tem essa dificuldade de fazer as coisas com uma qualidade técnica melhor. Quando falo assim é produção de músicas e tal. Mas mesmo assim acho que as pessoas estão mais flexíveis com a aceitação disso.

AjuNews: Como fizeram para contornar os problemas causados pela crise?
Júlio Andrade: Acredito que a própria arte consegue ajudar a gente a não entrar numa bad, assim sabe? Acho que não só a música, mas a leitura, o cinema, assistir filmes, desenhar, criação também no geral, compor, né? Experimentações, estudar a própria música com mais cuidado e até ouvir mais músicas também. Eu percebo que tenho ouvido mais músicas, tenho mais tempo. Como não tenho uma cobrança tão grande como antes, de fazer as atividades, de planejar, viajar, de buscar um tempo mais para mim, acho que aflorou ainda mais essa relação com a arte no geral. Estou falando por mim, mas vejo que o Gabriel Perninha [baterista] passou também a estudar mais bateria, gravar, que é algo que ele não fazia em casa, no estúdio que ele tem. Ele também está praticando isso, aprendendo a captar mais o som com poucos microfones, e o Rafa [Contrabaixo Elétrico] continua ouvindo muita música. Ainda bem mesmo a gente estando no meio de uma pandemia em um momento muito favorável porque a gente tem internet, informação de qualquer direção que a gente quiser, qualquer linguagem que a gente buscar vai poder se aprofundar naquilo. Então, enquanto houver interesse a gente vai se manter vivo.

AjuNews: Com relação ao apoio do Governo Federal à classe artística do país durante a pandemia, qual a avaliação que vocês fazem sobre a atual situação?
Júlio Andrade: Em relação ao apoio do governo, para mim foi uma surpresa isso aí [Lei Aldir Blanc; que prevê a destinação de R$ 3 bilhões para o setor cultural], porque diante a todos os acontecimentos, assim, falando por mim, não via muita esperança, não, de ser contemplado em alguma coisa nesse governo. Mas que bom, veio. Fiquei contente com isso, é um alívio. Porque nem todo mundo consegue ter um auxílio, nem todo mundo consegue pagar suas contas com reservas. Tomara que isso chegue também para as pessoas que precisam e, que exista uma honestidade aí, um controle legal para isso. Que as verbas que chegam a cada município seja aplicada devidamente. O que mais me preocupa agora é isso. Quando se torna consequência em verba pública, quando você pensa em programas desse tipo, vem junto o pensamento de como vai ser aplicado, se vai ser bem gerido, compartilhado, espalhado. Acho que vai ajudar, qualquer ajuda nesse momento é bem vinda. Eu espero contar com mais iniciativas que favoreçam a classe artística. Não é só a gente que é banda, instrumentista e compositor.

AjuNews: O setor musical foi um dos primeiros a suspender as atividades por causa do risco de contágio do novo coronavírus, na opinião da banda, o Governo de Sergipe está tomando medidas que ajudam os artistas locais a superar a crise?
Júlio Andrade: Acho que o governo é fundamental nesse momento que para tudo, que as pessoas não têm meios de conseguir tirar sua fonte de renda, botar em exercício, às vezes, o único ofício que tem, que é tocar, ou atuar, desenhar, pintar. Enfim, tem gente que consegue se virar com outras coisas, mas tem gente que não. Por parte do governo do estado, eles fizeram um edital que achei bem bacana. Contempla algumas pessoas, mas, boto fé que não chega nem na metade das pessoas que estão precisando. Então, acho que a gente fica esperando mais, alguma outra ação para poder somar e atingir a todo mundo mesmo. Desde o músico que toca na rua, ali no calçadão ou no ônibus, em barzinho. E também com uma proporção maior, né? Porque o edital é isso, você tem que desenvolver um projeto, mas nem todo mundo tem essas ferramentas em mão, esse costume de fazer essas manhas, de escrever projetos. Sendo uma atividade que é essencial para esses momentos de ócio, inatividade, a música é fundamental, shows. Então, espero que melhore essas condições, que surjam outros editais e, que a Lei Aldir Blanc sirva realmente como um grande suporte para atingir a todo mundo que realmente precisa.

AjuNews: Como vocês avaliam o atual cenário musical tanto em Sergipe quanto no Brasil?
Júlio Andrade: O cenário musical nacional eu sempre tratei como muito bom, eu nunca reclamei muito assim, em relação à música brasileira contemporânea. Claro que eu acabo ouvindo muito mais coisa antiga, coisas lançadas ali nos anos 60 70, onde está a minha fonte de inspiração. Mas a cada ano surgem novos nomes, a cada ano a gente vai se inspirando em artistas contemporâneos e até conterrâneos também. Pessoas e bandas daqui de Sergipe como Taco de Golfe, Cidade Dormitório, é uma banda massa que tem ganhado projeção. A Sandyalê lançou um ótimo álbum. Alê Santana lançou um ótimo álbum também esse ano, Héloa, que mora em São Paulo, mas é daqui. Tem uma galera muito boa, velho, fazendo acontecer. Eu acho que essa busca de se reinventar, de ocupar nichos e caminhos que não são preenchidos nessa cena musical estão aparecendo bandas para fazer isso. Eu fico feliz, acho que cada um fazendo sua parte, buscando seu público, passar sua mensagem. O mais importante para mim é não parar, sabe? Porque produção a gente tem demais, acho que é mais uma questão de busca do público, do público achar meios de chegar a esse som. Isso já traz uma outra questão, porque a gente acaba se retroalimentando em uma bolha de contatos, em um ciclo que não sai dali. Mas seria mais interessante a gente sair um pouco dessa zona e chegar mais longe ainda.

AjuNews: A música mais recente da banda, ‘Quareterna Serigy’, foi lançada no dia 26 de junho, quatro meses após o início do isolamento social, o grupo pretende passar através da sua letra?
Júlio Andrade: Ela surgiu no meio da quarentena. A gente vinha trocando algumas ideias sobre produzir coisas a distância. Fizemos inclusive uma sessão de músicas à distância. Eu gravando daqui de casa, mandei para Perninha, depois mandei para Rafa. Então, a gente via que era possível fazer coisas à distância. Eu já venho fazendo algumas composições, demos, brincando aqui no meu homestudio, coisas do meu projeto solo, coisas também para o Baggios. Esse exercício diário foi fundamental para chegar até quarentena porque é uma música que soa diferente das músicas do Vulcão, das músicas do Brutal. É uma música que fala sobre esse sentimento de impotência, de ter paciência, mas também demonstrar um pouco dessa angústia, não só pelo isolamento, pela falta de shows e meio de trabalho, mas também pelo momento político que a gente está passando com um presidente super despreparado fazendo com que o Brasil e as pessoas sigam seus conselhos de retrocessos, ultrapassados e super perigosos até. Então, a música trata de sonhar, de sair desse universo caótico e projetar algo melhor. Se não, a gente pira, vai ficar uma pessoa super pessimista e sem instiga de produzir as coisas, imaginando que não vai ter nada de bom na frente. Então, acho que uma forma de incentivar as pessoas mesmo a se manterem firmes, a se manterem fortes para quando tudo isso passar e seguir em frente numa boa, com cabeça erguida e encarando todos os seus medos e suas dificuldades.

AjuNews: Sobre a possibilidade do retorno das atividades culturais, quais os planos da banda após a liberação dos shows?
Júlio Andrade: Eu não tenho muita perspectiva para esse ano, em relação a voltar os shows. Realmente, eu acho que só com a vacina a gente vai conseguir se sentir a vontade para retomar as atividades. Então, creio que lá para março ou abril do próximo ano a gente voltará ao normal, com fé em Deus. A gente precisa botar os pés na rua, os pés na estrada. Voltar a fazer o que a gente realmente ama, o que nos alimenta e alimenta também outras pessoas, as almas de outras pessoas, nossas almas. Mas a primeira coisa que a gente quer fazer é ter contato, calor humano, ver as pessoas pulando e reagindo à nossa música. Fazer shows de volta na Europa. A gente acabou perdendo uma turnê esse ano, de trinta shows na Europa. Provavelmente, vai rolar futuramente. Eu desejo muito que a gente esteja com saúde, vivos e com muita vontade de encarar esse novo mundo aí.

Sob supervisão de Peu Moraes



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