Entrevista


‘Proximidade entre evangélicos e o Estado será cada vez mais forte’, analisa promotor Peterson Almeida


Publicado 29 de outubro de 2020 às 07:47     Por Adelia Felix     Foto Arquivo / MP-SE

O promotor de Justiça do Ministério Público de Sergipe (MP-SE), Peterson Almeida, que lança o seu livro “Abuso do Poder Religioso nas Eleições – A Atuação Política das Igrejas Evangélicas”, afirmou em entrevista ao AjuNews que o crescimento das igrejas pentecostais, a forte influência dos evangélicos na ascensão de líderes é uma tendência da política atual no Brasil.

“Enquanto que nos anos 70 os católicos representavam quase 90% da população, atualmente, se prevê que, em 15 anos, deixem de ser maioria, tornando-se o Brasil o maior país evangélico do mundo, com uma aproximação cada vez mais forte com o Estado. Portanto, a simbiose é a de sempre, idem os propósitos, e, de fato, só os oprimidos mudaram, inobstante continuem subjugados”, disse.

O promotor avaliou também que há interesse da classe política de ser apoiada por “um eleitor extremamente engajado, fiel a seu líder ideológico”, como também há interesse dos líderes religioso em manter seus privilégios, “como as concessões de rádio e TV, a flexibilização das regras fiscais, além das pautas conservadoras, como o projeto da cura gay, anti aborto, etc”.

A obra é lançada nesta quinta-feira (29), às 17h30, no Museu da Gente Sergipana, em Aracaju. Na sexta-feira (30), às 8h30, acontece outro lançamento no hall do auditório do MP-SE, também na capital sergipana.

 

Confira a entrevista:

AjuNews: O que levou o senhor a se debruçar sobre o assunto e escrever “Abuso do Poder Religioso nas Eleições – A Atuação Política das Igrejas Evangélicas”?
Peterson Almeida: Após 23 de anos de atuação ininterrupta como Promotor de Justiça Eleitoral, tendo criado a Coordenadoria Eleitoral no âmbito do Ministério Público, feito especialização e Mestrado no âmbito do Direito Eleitoral, constatei uma lacuna legislativa, seguida de um pequeno debruçamento da doutrina e da jurisprudência eleitoralistas acerca desta forma de abuso, cada vez mais presente em nossa sociedade. Foi por considerar insuficientes as formas de abuso legisladas (econômico, político e midiático) que propus, neste meu livro, a criação, pelo Parlamento, desta quarta figura.

AjuNews: Em seu livro, o senhor demonstra que não há nada de original na aliança Igreja e Estado, havendo apenas uma mudança nos oprimidos, vulneráveis sob os pontos de vista econômico e intelectual. Quais as semelhanças entre a época da Idade Média quando a Igreja Católica, juntamente com a fé cristã, cresceu e expandiu-se de maneira colossal a ponto de ganhar força política?
Peterson Almeida: O primeiro capítulo de meu mencionado livro é parte dedicado à história. Busco demonstrar como o desabrochar do protestantismo na Europa forçou a igreja católica, então dominante, a buscar catequizar o Novo Mundo, posto que, cronologicamente, coincidem os eventos. Daí porque nas naus portuguesas e também espanholas padres e bispos compunham a tripulação, não só para catequizar, mas para conquistar mais almas, que representariam mais impostos. Era o chamado regime do Padroado. Esse domínio católico ainda permanece, mas perde cada vez mais força. Enquanto que nos anos 70 os católicos representavam quase 90% da população, atualmente se prevê que, em 15 anos, deixem de ser maioria, tornando-se o Brasil o maior país evangélico do mundo, com uma aproximação cada vez mais forte com o Estado. Portanto, a simbiose é a de sempre, idem os propósitos, e, de fato, só os oprimidos mudaram, inobstante continuem subjugados.

AjuNews: Em sua avaliação, por qual motivo tem crescido o interesse desses grupos pela esfera política? Seria uma estratégia ou realmente um “chamado” como muitos dizem?
Peterson Almeida: Há um interesse recíproco. Dos políticos em serem apoiados por um eleitor extremamente engajado, fiel a seu líder ideológico, confissões dotadas de fortíssimo poder econômico, financeiro, empresarial e midiático (25% das emissoras de rádio e a segunda maior rede de televisão do Brasil estão nas mãos dos evangélicos). De parte das igrejas, a mantença de seus privilégios, como as concessões de rádio e TV, a flexibilização das regras fiscais, além das pautas conservadoras, como o projeto da cura gay, anti aborto, etc.

AjuNews: Durante suas pesquisas, o senhor encontrou 68 julgados que tratam do abuso do poder religioso e, em todos, apenas pastores evangélicos, especialmente neopentecostais, figuram como réus. Qual a principal alegação desses líderes religiosos? E como o senhor analisa?
Peterson Almeida: O fato de a igreja católica não impedir o retorno às atividades eclesiais dos seus membros que registram candidaturas os blinda. As demais religiões são seguidas por uma minoria da população, incapaz de eleger representantes. E, por fim, as teologias que as igrejas neopentecostais adotam (prosperidade e domínio) as impulsionam a, cada vez mais, quererem ocupar o poder político. Tanto assim que o nome “pastor” é seguidamente o campeão nos processos de registro de candidatura. Outro ponto sintomático é o fato de a Frente Parlamentar no Congresso Nacional se chamar Evangélica

AjuNews: Antes mesmo de ser lançado oficialmente, o livro foi recentemente citado em julgamento inédito do Tribunal Superior Eleitoral sobre o tema. Quem citou a obra e em qual contexto?
Peterson Almeida: No REspe 8285 (Luziânia-GO), julgado em junho, tive a honra de ser citado pelo Ministro Tarcísio Vieira em três passagens de seu brilhante voto. Sua Excelência, na ocasião, pontuou as propostas que trouxe na obra para conter o abuso em questão, todas copiadas do direito comparado, como a americana, que propõe o fim da imunidade tributária (isenção fiscal) para as confissões religiosas que resolvam ingressar na política, as quais, na prática, tem que fazer esta opção, ou seja, se quiserem continuar a não pagar impostos não podem virar partidos políticos; e também a desincompatibilização, já que entendo que o líder religioso que queira se candidatar deveria se afastar de suas atividades eclesiais. Não significa não ir ao templo, mas entrar mudo e sair calado. Seria justo “pregar” para quatro, cinco mil pessoas num sábado véspera do dia da votação? Seria mantida a paridade com políticos não ligados a igreja alguma? São pontos que a sociedade precisa discutir, e é este o propósito do livro



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