Política


Governo Bolsonaro planeja norma para controlar ação de ONGs na Amazônia


Publicado 09 de novembro de 2020 às 11:43     Por Fernanda Sales     Foto Valter Campanato/Agência Brasil

O governo Jair Bolsonaro planeja maneiras de estabelecer controle sobre as organizações não governamentais (ONGs) que atuam na Amazônia. O Plano do Conselho Nacional da Amazônia Legal, no qual o colegiado é presidido pelo vice-presidente Hamilton Mourão, tem o objetivo de obter o “controle” sobre 100% das entidades na região até 2022 e inclui limitar aquelas que, na visão do Executivo, violam ‘interesses nacionais’.

Segundo o jornal Folha de São Paulo, as discussões sobre bloquear ou limitar atividades de ONGs ocorrem no momento em que o Palácio do Planalto avalia se vai manter seu discurso ambiental com a vitória do democrata Joe Biden, nos Estados Unidos, e o país sofre desgaste no exterior por causa do desmatamento. Na última semana, Mourão promoveu viagem com diplomatas de dez países pela Amazônia.

O governo busca recuperar investimentos, como os do Fundo Amazônia, que foram perdidos após batalha do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, com entidades de preservação.

De acordo com a reportagem, os documentos foram encaminhados por Mourão a ministros e não há detalhes sobre quais “interesses nacionais” devem ser seguidos para que uma ONG seja autorizada na região. Sem provas, Bolsonaro já acusou essas organizações de incendiar florestas e prejudicar a imagem do país.

Dentre os objetivos do conselho, um deles trata de “garantir a prevalência dos interesses nacionais sobre os individuais e os políticos”. No plano, o governo prevê “ações setoriais”, como “criar marco regulatório para atuação das ONGs”. Não há uma proposta pronta de nova legislação. A missão de preparar a minuta está nas mãos dos ministérios da Justiça, do Meio Ambiente e do Gabinete de Segurança Institucional (GSI).

Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), havia 237 mil ONGs e outras entidades sem fins lucrativos no Brasil em 2016. O Sudeste concentrava a maior parte (48,3%). O restante estava no Sul (22,2%), Nordeste (18,8%), Centro-Oeste (6,8%) e Norte (3,9%). Os dados mostram que essas entidades apresentavam, principalmente, vocação religiosa (35,1%). Atuação específica em “meio ambiente e proteção animal” não alcançava 1% do total.

Mapa feito pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) a partir de base de dados mais ampla indica, porém, 782 mil organizações da sociedade civil no Brasil. Por esse estudo, elas estão mais presentes no Sudeste (41,3%), em seguida Nordeste (24,9%), Sul (18,6%), Centro-Oeste (8%) e Norte (7,2%). A maior (47%) atua no “desenvolvimento e defesa de direitos”. No recorte do Ipea, o Greenpeace, por exemplo, opera nesta categoria.

Especialistas
Os especialistas Aline Gonçalves da Silva e Eduardo Pannunzio, do Grupo de Pesquisa de Organizações da Sociedade Civil da FGV Direito SP, afirmaram ao jornal que a proposta do governo de controlar ONGs e barrar suas atividades em nome de “interesses nacionais” é inconstitucional e que já existem processos para criação e controle dessas organizações.

Entidades reagem
A porta-voz de Políticas Públicas do Greenpeace, Luiza Lima, destacou ao jornal que o governo expressa há tempos o desejo de limitar o trabalho das ONGs. “Lamentavelmente, estamos diante de indícios de que o governo Bolsonaro não compactua com preceitos básicos de democracia e participação social”, afirmou.

“Não querem passar pelo crivo do povo e pretendem se impor sem diálogo com a sociedade”, disse Ariana Ramos, coordenadora do Instituto Socioambiental (ISA).

Em setembro, o general Augusto Heleno, ministro do GSI, ameaçou a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) quando escreveu nas redes sociais que a entidade cometia “crime de lesa-pátria” por apoiar campanhas internacionais contra o governo. “A administração da organização é de brasileiros filiados a partidos de esquerda. A Emergency APIB é presidida pela indígena Sônia Guajajara, militante do PSOL e ligada ao ator Leonardo DiCaprio, crítico ferrenho do nosso país (sic)”, escreveu.

Divergências
Mourão e ministros se reuniram em sessão do Conselho da Amazônia na última terça-feira (3). À imprensa, o vice-presidente disse que o encontro serviu para delimitar o planejamento do colegiado, que tem “três grandes objetivos estratégicos gerais”: preservação, proteção e desenvolvimento sustentável.

Parte dos conselheiros só soube da proposta de tutela das ONGs após receber o documento, na terça. Duas autoridades que acompanham as reuniões dizem que militares e representantes da Agricultura divergem sobre a condução dos trabalhos no Conselho. O último grupo teme a paralisação dos debates por críticas a propostas, como a de controle das ONGs.

No documento, a Amazônia é tratada como “espaço vital” para o mundo por possuir “recursos estratégicos”, cobiçados por países como Inglaterra, França, Estados Unidos e Alemanha.

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