Justiça


Caso Mariana Ferrer: CNJ e OAB vão apurar sentença sobre “estupro culposo” apontado pelo MP


Publicado 04 de novembro de 2020 às 07:43     Por Redação AjuNews     Foto Reprodução

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) vão investigar, respectivamente, as atitudes do juiz Rudson Marcos, da 3ª Vara Criminal de Florianópolis, e do advogado Cláudio Gastão da Rosa Filho, durante o julgamento de uma denúncia de estupro feita pela influencer Mariana Ferrer, 23 anos.

(Na imagem acima, o advogado Cláudio Gastão; o acusado, André Aranha; e o juiz Rudson Marcos)

O caso ocorreu em dezembro de 2018, quando a jovem tinha 21 anos. Segundo ela, o empresário André de Camargo Aranha a drogou e a estuprou em uma sala reservada de uma casa noturna da capital catarinense. O empresário é defendido por Cláudio Gastão.

Em setembro deste ano, o juiz Rudson Marcos absolveu o acusado por falta de provas. Ele também levou em conta as alegações finais do Ministério Público de Santa Catarina (MP-SC), que diziam que o suposto estupro teria acontecido de forma culposa, quando o réu não tem a intenção de cometer o crime. No entanto, a tese não existe no Código Penal e nunca foi usada em nenhum julgamento do tipo no Brasil.

O conselheiro do CNJ Henrique Ávila pediu que a corregedora nacional do órgão, ministra Maria Thereza de Assis Moura, instaure uma reclamação disciplinar contra o juiz Rudson Marcos. “As chocantes imagens do vídeo mostram o que equivale a uma sessão de tortura psicológica no curso de uma solenidade processual”, escreveu o conselheiro.

A OAB de Santa Catarina afirmou que oficiou o advogado Cláudio Gastão da Rosa Filho para prestar esclarecimentos sobre sua conduta na audiência. Por meio de nota oficial, a OAB disse que teve acesso à cópia do processo judicial. Mas, a instituição não deu mais detalhes porque o processo ético disciplinar é sigiloso e qualquer informação divulgada pode resultar em anulação do procedimento.

Segundo o promotor do caso, Thiago Carriço de Oliveira, no sentido de que não houve dolo (intenção) do acusado, porque não havia como o empresário saber, durante o ato sexual, que a jovem não estava em condições de consentir a relação, não existindo portanto intenção de estuprar, gerou polêmica. “Como não foi prevista a modalidade culposa do estupro de vulnerável, o fato é atípico”, escreveu ele em sua argumentação.

“Não restou comprovada a consciência do acusado acerca de tal incapacidade, tendo-se, juridicamente, por não comprovado o dolo do acusado no tocante a tal estado psíquico alegado pela ofendida. Pelo que consta no processo, não restou comprovado que o acusado tinha conhecimento da suposta incapacidade da vítima”, escreveu Oliveira.

O caso ganhou repercussão nacional e foi alvo de protestos chegando a ficar entre os assuntos mais comentados após reportagem publicada, nesta terça-feira (3), pelo site The Intercept, que mostrou cenas de uma audiência do caso, em que é possível assistir Gastão humilhando Mariana. Ele mostrou cópias de fotos sensuais produzidas pela jovem antes do crime, para argumentar que a relação foi consensual. Disse que as imagens eram “ginecológicas”. Em nenhum momento foi questionado sobre a relação delas com o caso. Também falou que “jamais teria uma filha” do “nível” de Mariana.

Durante o julgamento, Mariana Ferrer chorava ao ouvir o advogado do acusado que ainda afirmou: “Só aparece essa sua carinha chorando. Só falta uma auréola na cabeça. Não adianta vir com esse teu choro dissimulado, falso, e essa lágrima de crocodilo”.

Na ocasião, ela pediu que o juiz interferisse nas alegações pois estava sendo desrespeitada. “Eu gostaria de respeito, doutor. Excelentíssimo, eu estou implorando por respeito no mínimo. Nem os acusados, nem os assassinos são tratados da forma que eu estou sendo tratada gente, pelo amor de Deus. Eu sou uma pessoa ilibada. Nunca cometi crime contra ninguém”.

Embora o The Intercept e parte da mídia afirmem que o MP-SC usou o termo “estupro culposo”, a expressão não foi citada literalmente pelos promotores, nem pelo juiz que definiu a sentença. Contudo, a promotoria comparou o caso a um crime em que o acusado não teria a intenção de cometê-lo e disse que não havia provas que corroborassem a denúncia.

Ministro do STF fala em “tortura”
O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, também se manifestou sobre o caso, no Twitter. Ele chamou de “estarrecedoras” as cenas da audiência e o tratamento dado a ela, classificado pelo magistrado de “tortura e humilhação”.

“As cenas da audiência de Mariana Ferrer são estarrecedoras. O sistema de Justiça deve ser instrumento de acolhimento, jamais de tortura e humilhação. Os órgãos de correição devem apurar a responsabilidade dos agentes envolvidos, inclusive daqueles que se omitiram”, disse o ministro.

O MP
Em nota divulgada para imprensa, o Ministério Público negou que tenha se posicionado pela absolvição do empresário por ele ter cometido 1 suposto crime que não existe na lei brasileira. Leia a íntegra:

“Não é verdadeira a informação de que o Promotor de Justiça manifestou-se pela absolvição de réu por ter cometido estupro culposo, tipo penal que não existe no ordenamento jurídico brasileiro. Salienta-se, ainda, que o Promotor de Justiça interveio em favor da vítima em outras ocasiões ao longo do ato processual, como forma de cessar a conduta do advogado, o que não consta do trecho publicizado do vídeo.

A 23ª Promotoria de Justiça da Capital, que atuou no caso, reafirma que combate de forma rigorosa a prática de atos de violência ou abuso sexual, tanto é que ofereceu denúncia criminal em busca da formação de elementos de prova em prol da verdade. Todavia, no caso concreto, após a produção de inúmeras provas, não foi possível a comprovação da prática de crime por parte do acusado.

Cabe ao Ministério Público, na condição de guardião dos direitos e deveres constitucionais, requerer o encaminhamento tecnicamente adequado para aquilo que consta no processo, independentemente da condição de autor ou vítima. Neste caso, a prova dos autos não demonstrou relação sexual sem que uma das partes tivesse o necessário discernimento dos fatos ou capacidade de oferecer resistência, ou, ainda, que a outra parte tivesse conhecimento dessa situação, pressupostos para a configuração de crime.

Portanto, a manifestação pela absolvição do acusado por parte do Promotor de Justiça não foi fundamentada na tese de “estupro culposo”, até porque tal tipo penal inexiste no ordenamento jurídico brasileiro. O réu acabou sendo absolvido na Justiça de primeiro grau por falta de provas de estupro de vulnerável.

O Ministério Público também lamenta a postura do advogado do réu durante a audiência criminal, que não se coaduna com a conduta que se espera dos profissionais do Direito envolvidos em processos tão sensíveis e difíceis às vítimas, e ressalta a importância de a conduta ser devidamente apurada pela OAB pelos seus canais competentes.

Salienta-se, ainda, que o Promotor de Justiça interveio em favor da vítima em outras ocasiões ao longo do ato processual, como forma de cessar a conduta do advogado, o que não consta do trecho publicizado do vídeo.

O MPSC lamenta a difusão de informações equivocadas, com erros jurídicos graves, que induzem a sociedade a acreditar que em algum momento fosse possível defender a inocência de um réu com base num tipo penal inexistente”.

Leia mais
Alessando Vieira denuncia juiz do caso de Mariana Ferrer ao CNJ: “Estupro culposo não existe”
Caso Mari Ferrer: Ministério Público considera ‘estupro culposo’ e advogado humilha a influencer
Caso Mariana Ferrer: Senado aprova voto de repúdio contra decisão sobre “estupro culposo”



Os comentários não representam a opinião do portal; a responsabilidade é do autor da mensagem.
Leia os termos de uso